Uma coisa que me incomodou muito nos últimos anos foi ver as pessoas falando de forma errônea sobre os prejuízos consecutivos que a Nintendo teve. Muitos disseram que o fracasso de vendas do Wii U só empurrou a empresa ladeira abaixo, que era questão de tempo até que ela desistisse de vez dos hardwares e muito mais loucuras. Outros disseram também que o Switch é a salvação, que as vendas estão maravilhosas e que agora vai dar tudo certo.
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É óbvio que muito disso vem de textos mal traduzidos e especulações fora da realidade, normalmente feitas por redatores ou ‘comentadores’ que entendem pouco ou quase nada de finanças. Como contador e administrador de empresas, me senti na obrigação de falar desse assunto, pois é preciso explicar que muito do que falam não é bem assim e que a desinformação é ruim tanto para quem gosta quanto para quem detesta a Big N. Dito isso, vamos por partes:
1 – A Nintendo só acumulou prejuízos desde o final da vida do Wii
É verdade incontestável. O Wii vendeu muito mais do que o esperado por causa do fator inovação, junto com o Nintendo DS, que também teve um sucesso absurdo de público por conta de suas facilidades. O 3DS começou morno e depois até esquentou, mas nunca chegou perto do seu antecessor, mesmo com títulos incríveis. Mas até onde o prejuízo que a empresa acumulou foi algo ruim?
Prejuízo é muito comum em empresas que vivem do desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias. Normalmente, o processo criativo no geral demanda muito recurso, pois o custo é alto, o tempo necessário é difícil de calcular. O resultado só vem após o lançamento do produto. É parecido com uma onda na praia: a água do mar recua um pouco antes anunciando que ela está vindo e depois avança um pouco mais longe do que estava e isso só é perceptível por causa da marca deixada pela onda anterior.
Para saber se uma empresa tem lucro ou prejuízo em período, é preciso olhar as suas demonstrações financeiras (Balanço Patrimonial e DRE, para quem gosta de finanças). Se olharmos o balanço de um só período, o prejuízo estará lá, grande e vermelho, chamando atenção. O que fazer? “Bora escrever aquele textão dizendo que a Nintendo vai falir e xingando a falta de novas IPs.” Faltou só olhar o histórico e o patrimônio que foi acumulado nos anos anteriores para fazer uma análise.
Conceitualmente, quando vira o ano, as receitas e despesas são zeradas, então, o resultado de anos anteriores não influencia no resultado do próximo. Entretanto, os lucros acumulados são colocados em reservas, que não ficam tão visíveis e nem são muito claras para quem é leigo. Não quero ensinar Contabilidade aqui, mas não dá pra falar do assunto sem saber disso: não é qualquer redator ou ‘entendido do assunto’ que pode olhar para um demonstrativo e dizer a situação financeira da empresa. Muito menos alguém que vai traduzir termos que podem ser interpretados de diversas maneiras.
2 – O Wii U só empurrou a Nintendo ladeira abaixo
É importante a empresa estar preparada para o possível fracasso ou para vendas fracas de seu produto, como o que aconteceu com o Wii U. É preciso haver planejamento e uma certa segurança financeira na hora de arriscar.
A Nintendo claramente estava preparada para isso, os sites de notícias que não viram (ver item 1). O sucesso estrondoso do Wii e do DS foram suficientes para abastecer o caixa da empresa, de forma que ela podia se arriscar a ter um ou até mais fracassos sem perder seu poder no médio prazo.
É claro que o marketing negativo que se criou nas comunidades foi um inimigo e tanto nesse momento e com certeza impactou o público mais do que deveria, mas é falácia dizer que a empresa não estava bem no lançamento do Wii U ou do Switch. Me lembro de ver notícias no fim da vida do Wii dizendo que a Nintendo tinha dinheiro para se manter por anos sem lançar videogame nenhum… Por que será que essa não viralizou?
3 – A Nintendo não alcançou suas próprias projeções de lucro por anos
OK, essa é uma questão um pouco controversa, pois diverge o conceito da realidade. De fato, muitas projeções que a Nintendo fez aos seus acionistas não foram atingidas, o que pareceu um problemão aos nossos olhos leigos.
Mas veja bem: qual CEO fala para os seus acionistas que o resultado vai ser muito, muito ruim? Acionistas querem ver retorno rápido, ninguém quer esperar quatro ou cinco anos para ver a cor do dinheiro. Por conceito, é preciso informar as expectativas corretas ao investidor, mas não é bem o que acontece na realidade de qualquer organização.
Então, sim, os CEOs colocam uma certa margem de “boas expectativas” nas projeções. Não sou especialista em mercado financeiro, mas pensando como o cara que está lá na frente: é melhor você segurar um acionista conhecido do que ter uma rotatividade muito grande, o que pode desvalorizar ainda mais a empresa. Não é o certo, mas é o que acontece.
4 – O lucro que ela teve com o Switch vai ajudá-la a se manter por muitos anos
Infelizmente, essa é outra falácia. O Switch está com bons resultados sim, as coisas estão melhores do que foram previstas oficialmente. Mas tenha certeza: o lucro que o console teve até o momento está dentro do esperado, ele só está compensando o que foi investido e virou prejuízo nos anos anteriores.
Então, a Nintendo não tem o poder de Deus por console estar obtendo sucesso. Digamos que ela não fez mais do que a sua obrigação como desenvolvedora de produtos. O lucro recente vai ajudar? Vai sim, é claro, mas pode ter certeza de que os especialistas dentro daquele lindo prédio em Quioto já sabiam disso o tempo todo.
O que ela precisa é aproveitar bem o dinheiro que está entrando, manter seu planejamento e continuar trabalhando em bons jogos enquanto desenvolve a próxima tecnologia. Pode dar errado como o Wii U? Pode, mas não significa que ela vai falir ou desistir do mercado por causa disso.
Então, fica a recomendação: não se engane por notícias falaciosas ou sensacionalistas. Não pense que a Nintendo é melhor ou pior do que ela é e procure informações com propriedade, tanto para falar bem quanto para falar mal. Não só sobre a Nintendo, mas de outras empresas também, pois a quantidade de informações incorretas que vemos por aí não é brincadeira.