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Liga da Justiça não é o filme que merecemos, mas sim o que precisamos

Superman está morto. O mundo vive em luto após seu maior campeão perecer pelas mãos de Apocalypse, criado como parte de um plano insano de Lex Luthor para acabar com o herói kryptoniano. Com uma ameaça iminente vindo à Terra em busca das Caixas Maternas, artefatos criados com tecnologia alienígena, Bruce Wayne (Ben Affleck), o defensor de Gotham conhecido como Batman, percebe que é hora de criar a Liga da Justiça, um grupo de heróis com diferentes habilidades para tentar salvar o planeta.


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Dirigido inicialmente por Zack Snyder (Sucker Punch, Homem de Aço, Batman vs Superman: A Origem da Justiça), que deixou a direção do longa nas mãos de Joss Whedon (O Segredo da Cabana, Os Vingadores, Os Vingadores: Era de Ultron) após precisar se afastar da produção do filme por causa do trágico suicídio de sua filha, Liga da Justiça mostra a formação do time de heróis para defender a Terra da ameaça do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) e seu exército de Parademônios. Ao lado de Diana Prince (Gal Gadot), a Mulher Maravilha, o Homem Morcego sai em busca de Barry Allen (Ezra Miller), um rapaz capaz de se mover a velocidades inimagináveis (curiosamente ainda não denominado Flash); Arthur Curry (Jason Momoa), um misterioso com incríveis habilidades aquáticas conhecido como Aquaman; e Victor Stone, um jovem que após receber poderosas próteses mecatrônicas se tornou uma espécie de Ciborgue.

Se você ainda não teve a oportunidade de ir ao cinema para assistir a Liga da Justiça, fica o aviso: embora eu me esforce ao máximo para evitar entregar detalhes da trama, esta crítica pode contar alguns spoilers do filme. Recado dado!

 

Você não pode salvar o mundo sozinho

Antes de mais nada, é preciso apontar que Liga da Justiça, desde a primeira cena do filme, mostra que sua intenção é se distanciar ao máximo de Batman vs Superman, filme rechaçado por boa parte do público e crítica especializada. Diferente de BvS, que dedica seus primeiros minutos para estabelecer os traumas de Bruce Wayne e seu ódio e rancor pelo Superman (Henry Cavill), a primeira cena de Liga da Justiça se preocupa em mostrar uma faceta mais otimista.

Com trama bastante simples (heróis precisam se reunir para impedir que vilão conquiste o planeta), Liga da Justiça é um daqueles filmes que deixam um gosto um tanto amargo na boca. Não por ser um filme ruim, longe disso; a verdade é que Liga da Justiça diverte do início ao fim com sua abordagem mais leve do universo cinematográfico da DC. O problema é que, ao final das duas horas de filme, a impressão que fica é a de que quase nada de relevante realmente aconteceu.

 

A ameaça que não ameaça

A começar pelo vilão. É facilmente perceptível que a escolha do Lobo da Estepe como o grande vilão do filme foi acertada, dado que é um personagem forte o suficiente para ser uma ameaça capaz de derrotar Batman, Mulher Maravilha, Ciborgue, Aquaman e Flash. Juntos. Sem muito esforço. O brutamontes claramente tem potencial para causar problemas para a Liga, forçando o time a pensar fora da caixa ao buscar uma alternativa para alcançar a vitória, e ainda prepara o terreno para a chegada de outros elementos e personagens da DC ao universo cinematográfico da editora de histórias em quadrinhos.


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Os problemas com o Lobo da Estepe, porém, começam com o fato de o personagem ser totalmente digital: Ciarán Hinds trabalhou apenas com a voz, enquanto o corpo do vilão foi criado em computação gráfica (e, acredite, não foi das melhores). Além disso, embora haja uma explicação sobre uma investida do malvadão contra o planeta milhares de anos atrás, poucas informações sobre o passado do vilão — ou mesmo suas motivações para fazer o que faz no filme — são mostradas no filme. A subutilização do vilão, que serve basicamente para fazer os heróis se unirem, contribui bastante para tornar o Lobo da Estepe um vilão bastante insosso.

Ainda sobre o vilão, a suposta ameaça que ele representa quase não é sentida ao longo do filme. Embora saibamos desde o início que há um alienígena superpoderoso vindo à Terra para dominar o planeta, as investidas do vilão representam pouca ou nenhuma ameaça real. Quando executando seu plano de reunir as caixas maternas, nenhum dos heróis é posto em perigo e não há perdas significativas. Você sabe que ele está avançando em seu plano, mas quase não se importa. E isso é péssimo, porque mostra que embora a escolha do vilão tenha sido acertada, a execução ficou comprometida.

 

Resultado prejudicado

Embora ao longo das duas horas de filme eu tenha definitivamente me divertido bastante, tendo dado boas risadas e genuinamente me importado e apaixonado pelos membros da Liga da Justiça, é inegável que o filme saiu prejudicado após todos os percalços que encarou durante sua produção.

Com a má recepção de BvS, houve a necessidade de “amenizar” o tom da película. Além disso, diversos veículos noticiaram que Kevin Tsujihara, o CEO da Warner Bros., demandou que o filme tivesse apenas duas horas de duração — o que, convenhamos, é pouco tempo para apresentar e construir três novos protagonistas, inserir um vilão desconhecido, desenvolver a trama tudo o mais.

Some a isso a substituição de Zack Snyder, que deixou o filme para lidar com um problema pessoal, por Joss Whedon. Em um primeiro momento, a notícia pareceu positiva já que teoricamente uniria o estilo visual soberbo de Snyder com os diálogos e desenvolvimento de personagens de Whedon, mas no final o tiro saiu pela culatra. Afinal, embora nem sempre seja perceptível qual diretor é responsável por qual cena, nas vezes em que é possível fazer essa identificação a diferença entre estilos é gritante. O uso de fundos verdes em cenas anteriormente filmadas em locações reais, o que acredito eu tenha sido utilizado para minimizar um pouco os custos das regravações, incomoda e torna a experiência muitas vezes visualmente incômoda. O que é triste, dado que, no final do dia, o nome estampado nos cartazes como diretor é o de Zack Snyder, o mesmo responsável por outros dois filmes da DC visualmente impecáveis.

As regravações, aliás, podem ter mudado quase que completamente a narrativa de Liga da Justiça. Whedon jura de pés juntos que sua contribuição continuou seguindo os planos de Snyder e a visão que o diretor original tinha para o longa. Mas ao sentar na poltrona do cinema e assistir à película, muitas vezes é difícil enxergar Liga da Justiça como um produto saído da mente de Zack Snyder. Pior: também é um tanto complicado ver o filme como uma produção do próprio Joss Whedon. E essa mistura de tons e toques atrapalha mais do que ajuda, já que torna o filme em algo quase sem identidade.

Essa falta de identidade é sentida, também, na trilha sonora. Quando Danny Elfman, um dos grandes nomes da indústria cinematográfica e responsável por trilhas de sucessos como Batman (1989), O Estranho Mundo de Jack (1993), Missão Impossível (1996), Homem-Aranha (2002) e Os Vingadores: Era de Ultron (2015), entre outros, foi anunciado como substituto de Junkie XL como compositor de Liga da Justiça, a notícia em um primeiro momento soou ótima. Junkie XL é creditado como um dos compositores da ótima trilha de Batman vs Superman, mas é inegável que o grosso do trabalho ali foi feito por Hans Zimmer, responsável pelas trilhas de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), A Origem (2010), Homem de Aço (2013) e Interestelar (2014).

A trilha de Elfman para a Liga da Justiça, porém, soa morna, sem sal, genérica e, pior ainda, reciclada. É louvável que o compositor reutilize seu tema do Batman, de 1989, uma das músicas mais memoráveis não apenas da história do personagem, mas também do cinema, além de inserir aqui e ali o tema do Superman, de John Williams (aquele mesmo tema tocado nos filmes clássicos estrelados por Christopher Reeve). Perdi a conta de quantas vezes fiquei arrepiado ao identificar os temas dos dois personagens durante a sessão de Liga da Justiça, mas esses fan services não compensam pelo conjunto da obra mal executado. E por mal executado quero dizer exatamente isso, e não apenas pelo fato de a trilha não ser memorável, mas também porque Elfman pareceu confuso em alguns momentos, encaixando os temas clássicos dos personagens — que deveriam soar heroicos e tocar em momentos oportunos — em cenas aleatórias. Danny Elfman pareceu, na melhor das hipóteses, perdido.

Um último ponto negativo do filme que precisa ser apontado é um problema comum a diversos filmes atuais, mas quase inaceitável em um longa do calibre de Liga da Justiça. Os efeitos especiais e os elementos criados em computação gráfica em geral são bastante ruins. Não apenas o vilão do filme parece saído de um videogame genérico, com movimentos faciais e corporais bastante travados — o que fica ainda mais evidente quando os atores estão contracenando com o Lobo da Estepe —, como vários outros efeitos em geral (principalmente os que envolvem as famigeradas regravações em tela verde) parecem inacabados ou finalizados com muita pressa. Isso é, de certa forma, compreensível; o filme realmente precisou ser finalizado quase às pressas por conta da troca de diretores faltando apenas seis meses para o lançamento do longa e refilmagens massivas. Mas, de qualquer forma, as cenas com CG em Liga da Justiça ficaram bem abaixo do esperado — incluindo, é claro, as cenas com Henry Cavill e seu bigodão apagado digitalmente.

 

Os melhores do mundo

Mas nem só de problemas vive Liga da Justiça. O filme, embora pareça dar uma forte guinada em outro rumo quando comparado aos demais filmes do universo DC, cumpre bem sua proposta de dar novos ares à franquia. Sai o clima pesado, complexo e depressivo e entra um mais leve, simples e otimista. Um contraste e tanto que, felizmente, funciona bem.

Cada herói parece real e importante em Liga da Justiça. Quando um filme se propõe a abrigar tantos personagens, é comum haver o medo de uns pesarem mais do que outros. Felizmente, não é esse o caso em Liga da Justiça. Cada um dos novatos é bem introduzido, interagindo não só com Bruce e Diana, mas também com seus próprios núcleos. Barry, por exemplo, tem cenas com seu pai que ajudam a dar profundidade ao personagem, mostrando suas motivações antes de seu recrutamento para a Liga.

Aquaman é mostrado como um benfeitor que auxilia comunidades de pescadores em momentos difíceis, provendo comida quando ninguém mais se preocuparia em ajudar aquelas pessoas. Além disso, o personagem de Jason Momoa interage ainda com o povo de Atlântida, o que ajuda a mostrar a dualidade do personagem, dividido entre o povo da superfície e o submarino.

O mais bem construído, porém, é sem dúvidas Victor Stone. O personagem de Ray Fisher é atormetando por sua nova vida como um ciborgue. Victor não pediu para ser meio-homem, meio-máquina, e muito menos vê suas novas habilidades como dádivas. Indubitavelmente, Fisher é um dos grandes destaques do filme ao nos presentear com uma ótima atuação que não se perde nem abaixo das várias camadas de computação gráfica que compõe o personagem.

O Batman de Ben Affleck retorna menos sombrio, mas ainda bastante perturbado. Dessa vez, Bruce Wayne sente-se culpado pela morte de Clark e acredita não ser a pessoa ideal para unir os demais heróis. Bruce daria tudo para ter Superman de volta e liderando a Liga da Justiça, para tirar esse peso dos próprios ombros. O Batman da Liga da Justiça demonstra claro cansaço, mas nem por isso deixa de fazer o que é preciso.

Diana Prince, interpretada por Gal Gadot, parece dar um passo para trás em relação ao desenvolvimento da personagem em Mulher Maravilha, o aclamado filme solo da personagem dirigido por Patty Jenkins. O aspecto “deusa guerreira” da personagem dá vez a uma personalidade mais superficial, com o filme focando demais na beleza da personagem e de menos na força da Mulher Maravilha. O que é uma pena.

Não é nenhum segredo que Superman está em Liga da Justiça, e o personagem retorna fechando o arco de desenvolvimento do kryptoniano. Antes controverso, o Homem de Aço volta em Liga da Justiça mais forte, rápido, bem humorado e, principalmente, muito mais otimista. Superman é, finalmente, um verdadeiro símbolo de esperança no universo cinematográfico da DC. Esperança, inclusive, para a própria Liga. Sou suspeito para falar sobre o personagem, mas deixando o lado fanboy de lado é inegável que finalmente acertaram o tom do herói.


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A dinâmica entre os personagens é incrível, e o crédito pra isso provavelmente fica para Joss Whedon. Os diálogos, ainda que vez ou outra soem um tanto forçados, em geral funcionam bem e tornam a dinâmica entre os heróis não apenas agradável, mas crível. Você realmente acredita que os seis heróis existem e estão ali, interagindo de verdade. Você enxerga cada um deles não apenas como pessoas super poderosas, mas como pessoas.

 

A esperança nunca morre

Liga da Justiça está longe de ser um filme perfeito. Está longe de ser uma película perfeita para os fãs da DC, bem como está muito distante de ser um longa perfeito para o grande público. Mas é um filme que diverte, distrai e, no final da sessão, embora não seja marcante, te deixa com uma sensação de “dever cumprido”.

O filme cumpre bem a função de mostrar que realmente o universo DC nos cinemas está mudando de direção para se tornar mais amigável, com espírito mais aventuresco. Os heróis são mais divertidos e mais reais. Os problemas existem, mas não estragam a experiência como um todo.

Veja bem, ser imperfeito é diferente de ser ruim. E “ruim” é algo que com certeza Liga da Justiça não é. Em um mundo em que os filmes da DC, exceto pelo longa solo da Mulher Maravilha, não conseguem agradar ao grande público, é louvável o esforço para mudar a percepção desse público em relação à Liga da Justiça. Apostar em Joss Whedon, o cara que praticamente criou a base para a infame “fórmula Marvel”, para “salvar o filme” e possivelmente ditar o tom dos próximos lançamentos da DC nos cinemas pareceu a melhor escolha a se fazer a essa altura do campeonato.

Liga da Justiça não é exatamente o filme que eu esperava, mas é um filme que me divertiu e agradou o suficiente para eu querer voltar ao cinema para assistir novamente. Sem contar que o público, ao final da sessão, parecia bastante satisfeito com o resultadoo que, depois dos problemáticos Batman vs Superman e Esquadrão Suicida, parece um ótimo sinal. Fica, portanto, a esperança de que finalmente os filmes da DC estejam trilhando o caminho certo e que os próximos filmes sejam muito melhores.

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